domingo, 27 de dezembro de 2009

O natal de todos os dezembros


Recentemente, exibe-se nos cinemas versao multimidiática cheia de recursos visuais por vezes apelativos com pouco enfoque na mensagem de um clássico da literatura mundial que vem sendo cada vez mais infantilizado e - diga-se de passagem - subestimado: trata-se de "Os espíritos de Scrogge" de Charles Dickens.

Comparacões à parte, é notável a atualidade da obra. Pena Dickens nao ter vivido mais: sua crítica teria sido mais abrangente, abordado as campanhas publicitárias, os exageros do papel (em um mundo que falsamente propaga a sustentabilidade, e que, inclusive é fachada para as industrias continuarem sua obra hedionda), a ausente educaçao dos menores (e de muitos maiores, né?) e tantos outros temas que tornaram o meu natal um ato decadente.

Foram detalhes que, quando sai da sala em que assisti o filme e circulei pelo shopping, direcionaram minha visão a ponto de nao poder conter o desespero ao ver as inumeras - e coloridas - campanhas de marketing, o apego a tudo quanto indica sustentabilidade, todas as revistas apontando ou o fim do mundo pela destruicao massiça do meio-ambiente (e pelo vexame em Copenhagen) ou das 20.192.837 invencoes tecnologicas (todas cheia de mecanismos que exigem, no mínimo, boa destruicao do planeta) que voce "precisa ter" e que custam uma fortuna e que, reparando bem, sao praticamente desnecessárias.

As pessoas corriam assustadas preocupadas com presentes, com a crise imobiliária internacional, com o chester da perdigao e com o preço do figo...até mesmo ouvi uma senhora gritar no celular que nao podia falar com a filha porque estava acupada montando a ceia de natal, que seria passada com a própria e destratada filha. Aquilo atiçou minha curiosidade.

Pior foi observar os supermercados: todas as pessoas passavam horas no supermercados, massacrando umas as outras, com seus carrinhos desgovernados, para montar uma ceia de natal para ver parentes de que nao gosta (e alguns de que gosta), tentando colocar em um unico dia todo o assunto de um ano, aliviando suas consciencias de sua propria omissao e ausencia ao longo do ano...

Meu natal foi diferente. Foi decadente. Quando pedi para que todos aqueles que tencionavam dar-me presente nao o fizessem, joguei a palavra para o meu léxico passivo. E com letra minuscula.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A cidade e os indivíduos


A cidade se configura, na atualidade, como centro de vital importância tanto para a realização plena da civilização em âmbito mundial quanto para a configuração do cidadão comum, ávido por experiências.

Seria, então, um erro acreditar que a cidade corrompe o homem aos moldes do que acreditava a corrente rousseniana, pois, como é notadamente visível, a cidade tornou-se - e montou para si - uma rede de valores e serviços que não concebem o homem com ser bom ou mal por natureza, mas fruto concebido de suas próprias experiências, sejam elas boas ou ruins.

As experiências, cuja oferta certamente é mais abundante em metrópoles que no interior, mas que, nem por isso, são isentas de tais, tampouco estéreis - ordenam os indivíduos para a sua própria compreensão em face de um grupo, uma tribo ou uma comunidade, de modo que são responsáveis, em boa parte, pela configuração dos espaços públicos, tornando, senão palco de conflitos, onde grupos de experiências divergentes e intolerantes (como nazistas e punks) se massacram, pelo menos espaços nos quais a tolerancia é tomada à risca: depois de duas hecatombes mundiais, a maioria dos homens tomou consciência de que a diplomacia talvez seja melhor caminho a percorrer que o da selvageria bélica.

Além disso, a cidade, se palco de tolerância, permite a proliferacao dos pontos de contato de experientes divergentes que não no espaço público. O público afro-descentes, frequentadores de ambientes específicos, é receptivo àqueles que, de bem e boa-fé, queiram partilhar de uma nova experiência antropológica bom como a comunidade surda-muda também aceita visitantes em seus recintos semilogicamente privadosde tal maneira que, culturalmente, nos últimos anos, a cidade motivou o "conhecer o outro" ("Umheimlich", na concepção freudiana do fenômeno) em vez de simplesmente aniquilar a experiência alheia.

Pode-se criticar a cidade das maneiras que se desejar, mas, em todos os casos, o humanos, ser individual e indubitavelmente social, somente se apropria de sua consciencia em função do outro. E nisso, a cidade se mostra majoritariamente privilegiada.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Porque a Pedagogia falha?



Tanto a Pedagogia quanto a Psicologia abalaram as estruturas do mundo pós-guerra no que tangia aos assuntos educacionais,mas, de que maneira e em que proporções tais mudanças se concretizaram e em que interferem na educação contemporânea?

Nos idos do romantismo alemão,a preservação da criança tomou traços em sua base mais peculiar: os contos infantis. Quando se alteraram os contos de fadas de Perrault devido à sua intensa selvageria e conteúdo sanguinário, cunhou-se os contos de fadas infantis à la irmãos Grimm, cheios de fantasias e história de príncipes e princesas encantados, que mais tarde metamorfaram os produtores da Disney e tomaram o mundo sob a ekshis de cultura de massa de que tanto Adorno tratou.

Entretanto, a pedagogia falhou. Embora o movimento de proteçaõ à criança tenha começado no Romantismo, não posso deixar de pensar que, depois de tanto tempo, a Pedagogia não conseguiu se firmar como protetora da infância, tampouco de se mostrar ciência efetiva.

Sua primeira falha é, em sua historiografia, depender de qualquer outra ciência que nao seja, em si mesma, hermética: historiadores, psicólogos, biólogos, terapeutas, tecelões, agentes sanitários, dentistas, palhaços, malabaristas e etc. De tudo existirá dentro da Pedagogia, pois a Educação é um campo "científico" no qual tudo é válido e suas contribuições são, a bem dizer, tanto transdisciplinares quanto vazias de conteúdo propriamente pedagógico.

E ainda assim, mesmo se denominando ciência, mesmo contando com todas as outras ciências de apoio, ainda permanecem sobre as mesmas questões (qual a melhor abordagem, o aluno é um ser completo, qual a validade da educação, para que serve, blá, blá, blá), não respondendo-as, mas simplesmente "problematizando-as" ou "questionando-as". Todos os professores preferem apenas problematizar e responsabilizar os alunos de graduação pelas respostas, como se a resposta fosse partir dos estudantes, e nao dos estudiosos do assunto. Uma lástima.

Além disso, a posição docente acadêmica é frustrante: os professores universitários, e diga-se de passagem, professores de escritório, crentes de sua onipotência, arrogam-se a posição superior aos campos do ensino fundamental e médio, de tal maneira, que criticam ferrenhamente a prática de seus colegas de Ensino anteriores, certos de que suas próprias práticas são efetivas. Uma falácia...os piores professores que tive lecionavam no Ensino Superior. São, em suma, pouco praticantes do que tencionam ensinar.

E, por último, rejeito a Pedagogia porque estou certo de que quando me formar, serei o tal professor que a Universidade me forçou a criticar e a "problematizar" - e ainda permacerei sem perspectiva de um resposta efetiva.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Perdoes-os, Deus, pois ensurdecem!


Parece inevitável à modernidade a confluência de mídias em um único dispositivo, de tal maneira que, em apenas um celular, é possível convergir browser de internet, agenda de contatos, Ipod, jogos de alta definição e o tradicional "paciência" tao comum aos que frequentam as filas de bancos.
E de todas as características presentes no celular - e excluído de sua função comunicativa oral - a que mais se destaca é a liberdade para a música que o celular permitiu.
Seja realista. Pense em todos os meios de transportes que existe e que fazem parte de sua vida. Se for um carro privado, pense com que frequencia voce liga o rádio como companhia ou até mesmo para evitar de ficar aquele silêncio constrangedor entre você e o passageiro com quem nao tem muita intimidade e que só está alí porque o carro dele nao pode sair de casa por causa do rodízio.
Mas se o leitor tomar transporte público, pense nas pessoas que os frequentam. Todas elas. Quantos deles usavam fones de ouvido? E com quantos deles o leitor se arriscaria a entravar um diálogo? Nenhum, mesmo o entretido estando em contato direto com um aparelho que servia em tempos quase remotos à comuicação humana, hoje, ele funciona exatamente como um isolante (eficaz)dos diálogos e preocupações alheias.
Justo! Se não existe intenção de comunicação, por que alguém deveria subjulgar seus timpanos a sons desagradáveis como o do motor em funcionamento ou da receita de brioches que as senhoras no banco atrás ao seu discutem quando voce pode se deleitar buscando o seu prazer nos sons que expressam sua subjetividade ou seu estado de espírito?
Infelizmente, a ausência de comunicação é uma evidente característica da modernidade. Se é evitável ou não é uma questão em aberto. E que não encontrará tantos debatedores - nem ouvintes - assim. Há preocupação demais com a próxima música que com apelos acadêmicos puramente discursivos. Ficamos cada vez mais surdos e desejosos disso.
Perdoe-os, Deus, por que ensurdecem aos apelos do outro. Mas se tal apelo nao é ouvido, é provável que até mesmo Ele esteja ouvindo alguma canção em seu celular.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Vida alheia 2.0


George Orwell, em sua obra “1984”, de forte crítica ao comunismo e fantástica tônica da ficção científica, descreveu um futuro governado por um regime totalitário, centralizador, guiado pela linha psicológica behaviorista, que vigiaria seus cidadãos através de cameras nos mais diversos recintos - tanto públicos quanto privados - a fim de se obter uma sociedade perfeita.

Hoje, em 2009, pouco do que descreveu em sua obra vingou. Primeiro, por que o governo não conseguiria se munir de equipamentos tão sofisticados e em número suficiente tão bem. Segundo, por que a populaçao se adiantou e, em vez de esperar que o governo viesse coletar informações, tratou, antes, de expô-las publicamente nas vitrines virtuais como têm funcionado o Youtube, o Orkut, o Twitter, os "blogs" e os programas de bate-papo virtuais em tempo real.

Mais do que isso: a nova geraçao, apoiada pelo livre espaço democrático da internet, desenvolveu certo gosto pelo voyerismo. Pela internet, é possível ao espectador, como em um teatro, observar os outros indivíduos exibindo-se sem ser identificados, isentando-se, assim, das responsabilidades de resposta e cumplicidade, ou seja, munido de sites e ferramentas de busca, o espectador/internauta busca cada vez mais informacoes , ligações, fofocas, conteúdos tabloidistas, videos caseiros, outros nem tanto, blogs, enfim tudo quanto seja produção cotidiana tanto de anônimos quanto de famigerados artistas, certo da preservaçao de sua identidade. O internauta só será descoberto se for sua vontade.

Por outro lado - e completando o ciclo - o voyerismo contribuiu em larga escala com o surgimento de outra recente característica da "net": o exibicionismo. Se, de fato, existe um público tecnologicamente mascarado, é necessário que haja produção satisfatória a ele, de modo que muitos anônimos tomaram a iniciativa de revelar ao mundo suas habilidades artísticas (poesia, literatura, fotografias, relatos de experiências, receitas de bolo, infantilidades, mediocridades e muita estupidez) nos mais diversos sites especializados de que a internet dispõe.

Conecta-se o mundo, portanto, cidadão a cidadão espontaneamente e voluntariamente. Cada internauta é livre para expor-se ou preservar-se entre as 4 paredes de seu quarto. Digitalmente, a internet quebrou os padrões antes vigente da privacidade e miscigenou a auto-expressão à emissão/revelação de informações de tal maneira que restou apenas uma única questão: como poderia haver invasão de privacidade (tão cara a obra de Orwell)quando é o internauta quem, de boa-fé, as cede?

Em vista do exposto, resta tão somente diluir a privacidade na conveniência entre quem escolhe acessar conteúdos exibicionistas e quem os publica, pois ambos estão envoltos em névoas virtuais que até permitem o reconhecimento do exibido, mas não se obtém nada do espectador que não seja traços sutis de sua máscara digital.

sábado, 21 de março de 2009

O mal-estar do meu ser




Se eu soubesse que Freud também era um excelente escritor, certamente já o teria lido há muito.

Recentemente, em seu "O mal-estar na civilizaçao", notei que por trás do conteúdo fascinante - a psiquê humana sempre me atraiu demais - existiu sempre uma busca obcessiva pela literatura.
Observemos que muitos dos seus artigos buscam em fontes de reconhecido valor literário - Sófocles, Shakespeare e principalmente Goethe, passando por Schiller e companhia - motes para tratar dos assuntos de que realmente interessam ao psicanalista alemão e através disso, encontramos piso firme para então compreendermos sua tao famosa - e presente - teoria.

Curiosamente, adentrando os meandros de seu texto, descobrimos que, mesmo utilizando-se de artifícios de valor literário, a leitura não é didatizada: continuam sendo ensaios de profundo valor e rigor científicos, capazes de confundir, desestabilizar e revelar, ao leitor, um espelho límpido do que se passa em sua própria história, corpo e mente.

Em "O mal-estar da civilizaçao", primeiramente Freud analisa a origem do sentimento religioso que há muito me intriga. Sob o mesmo artifício da literatura, Freud divaga sobre os mendros da memória, do inconsciente, da proteçao paternal e da família, revelando ao mortal comum que a figura divina, nada mais é que a revisitação dos laços da família, do desejo egocêntrico de imortalidade e de retorno aos braços do pai em mais um momento edípico. Eis aí, pela psicanálise, o que é a fé.

Já seria de se esperar que a obra chocasse o leitor mais ingênuo - como eu por exemplo, que só pude começar a entender 'A viagem de Théo' de Caterine Clément após ler o ensaio freudiano - e deve ser exatamente por isso que tardaram a me indicar Freud para ler.

E chocado, pude COMEÇAR a entender o que ocorre com o humano. Não sei exatamente como estou. Gostaria de que Freud estivesse aqui para me analisar, mas agora, encontro-me um pouco extasiado com o valor literário que encontrei na obra: se fosse um simples artigo científico aos moldes das grandes instituiçoes, cheio de citaçoes de outros desconhecidos, repletos de notas de rodapé desnecessárias, recusariam-me terminantemente a ler por livre-arbítrio.

E há de se enganar quem acha que por nao estar nesses moldes há de encontrar temas fáceis de lidar. Muito pelo contrário. Freud, além de ser quem foi, era plenamente capaz de escrever densamente, com toda a paciência que cabe a um mestre, de forma plenamente analítica verdades que, antes dos parágrafos conclusórios, parecem estar desconexos, mas que no final, revelam uma verdade significativa e tensa.

Aos mortais finais, resta-nos apenas uma lição: freude-se!