sábado, 21 de março de 2009

O mal-estar do meu ser




Se eu soubesse que Freud também era um excelente escritor, certamente já o teria lido há muito.

Recentemente, em seu "O mal-estar na civilizaçao", notei que por trás do conteúdo fascinante - a psiquê humana sempre me atraiu demais - existiu sempre uma busca obcessiva pela literatura.
Observemos que muitos dos seus artigos buscam em fontes de reconhecido valor literário - Sófocles, Shakespeare e principalmente Goethe, passando por Schiller e companhia - motes para tratar dos assuntos de que realmente interessam ao psicanalista alemão e através disso, encontramos piso firme para então compreendermos sua tao famosa - e presente - teoria.

Curiosamente, adentrando os meandros de seu texto, descobrimos que, mesmo utilizando-se de artifícios de valor literário, a leitura não é didatizada: continuam sendo ensaios de profundo valor e rigor científicos, capazes de confundir, desestabilizar e revelar, ao leitor, um espelho límpido do que se passa em sua própria história, corpo e mente.

Em "O mal-estar da civilizaçao", primeiramente Freud analisa a origem do sentimento religioso que há muito me intriga. Sob o mesmo artifício da literatura, Freud divaga sobre os mendros da memória, do inconsciente, da proteçao paternal e da família, revelando ao mortal comum que a figura divina, nada mais é que a revisitação dos laços da família, do desejo egocêntrico de imortalidade e de retorno aos braços do pai em mais um momento edípico. Eis aí, pela psicanálise, o que é a fé.

Já seria de se esperar que a obra chocasse o leitor mais ingênuo - como eu por exemplo, que só pude começar a entender 'A viagem de Théo' de Caterine Clément após ler o ensaio freudiano - e deve ser exatamente por isso que tardaram a me indicar Freud para ler.

E chocado, pude COMEÇAR a entender o que ocorre com o humano. Não sei exatamente como estou. Gostaria de que Freud estivesse aqui para me analisar, mas agora, encontro-me um pouco extasiado com o valor literário que encontrei na obra: se fosse um simples artigo científico aos moldes das grandes instituiçoes, cheio de citaçoes de outros desconhecidos, repletos de notas de rodapé desnecessárias, recusariam-me terminantemente a ler por livre-arbítrio.

E há de se enganar quem acha que por nao estar nesses moldes há de encontrar temas fáceis de lidar. Muito pelo contrário. Freud, além de ser quem foi, era plenamente capaz de escrever densamente, com toda a paciência que cabe a um mestre, de forma plenamente analítica verdades que, antes dos parágrafos conclusórios, parecem estar desconexos, mas que no final, revelam uma verdade significativa e tensa.

Aos mortais finais, resta-nos apenas uma lição: freude-se!