terça-feira, 7 de julho de 2009

Vida alheia 2.0


George Orwell, em sua obra “1984”, de forte crítica ao comunismo e fantástica tônica da ficção científica, descreveu um futuro governado por um regime totalitário, centralizador, guiado pela linha psicológica behaviorista, que vigiaria seus cidadãos através de cameras nos mais diversos recintos - tanto públicos quanto privados - a fim de se obter uma sociedade perfeita.

Hoje, em 2009, pouco do que descreveu em sua obra vingou. Primeiro, por que o governo não conseguiria se munir de equipamentos tão sofisticados e em número suficiente tão bem. Segundo, por que a populaçao se adiantou e, em vez de esperar que o governo viesse coletar informações, tratou, antes, de expô-las publicamente nas vitrines virtuais como têm funcionado o Youtube, o Orkut, o Twitter, os "blogs" e os programas de bate-papo virtuais em tempo real.

Mais do que isso: a nova geraçao, apoiada pelo livre espaço democrático da internet, desenvolveu certo gosto pelo voyerismo. Pela internet, é possível ao espectador, como em um teatro, observar os outros indivíduos exibindo-se sem ser identificados, isentando-se, assim, das responsabilidades de resposta e cumplicidade, ou seja, munido de sites e ferramentas de busca, o espectador/internauta busca cada vez mais informacoes , ligações, fofocas, conteúdos tabloidistas, videos caseiros, outros nem tanto, blogs, enfim tudo quanto seja produção cotidiana tanto de anônimos quanto de famigerados artistas, certo da preservaçao de sua identidade. O internauta só será descoberto se for sua vontade.

Por outro lado - e completando o ciclo - o voyerismo contribuiu em larga escala com o surgimento de outra recente característica da "net": o exibicionismo. Se, de fato, existe um público tecnologicamente mascarado, é necessário que haja produção satisfatória a ele, de modo que muitos anônimos tomaram a iniciativa de revelar ao mundo suas habilidades artísticas (poesia, literatura, fotografias, relatos de experiências, receitas de bolo, infantilidades, mediocridades e muita estupidez) nos mais diversos sites especializados de que a internet dispõe.

Conecta-se o mundo, portanto, cidadão a cidadão espontaneamente e voluntariamente. Cada internauta é livre para expor-se ou preservar-se entre as 4 paredes de seu quarto. Digitalmente, a internet quebrou os padrões antes vigente da privacidade e miscigenou a auto-expressão à emissão/revelação de informações de tal maneira que restou apenas uma única questão: como poderia haver invasão de privacidade (tão cara a obra de Orwell)quando é o internauta quem, de boa-fé, as cede?

Em vista do exposto, resta tão somente diluir a privacidade na conveniência entre quem escolhe acessar conteúdos exibicionistas e quem os publica, pois ambos estão envoltos em névoas virtuais que até permitem o reconhecimento do exibido, mas não se obtém nada do espectador que não seja traços sutis de sua máscara digital.