terça-feira, 1 de março de 2011

Grafites, vândalos e políticas públicas


Desde a antiguidade clássica, atribuia-se a inspiração dos poetas e artistas à atuação das musas do teatro, da dança e tantas outras artes cuja finalidade era produzir festivais de agradecimento aos deuses. Ao longo dos anos, contudo, as musas greco-romanas ganharam novas amigas: expressões artísticas helênicas passaram a conviver com outras formas de arte como as vanguardas européias, os musicais da Broadway, os stand-up comedies cujas musas seguem o gosto das revistas de moda, são metropolitanas, audaciosas, moderníssimas, digitais, por vezes, marginalizadas, faveladas, excluídas da vida sócio-politica das cidades - grande invenção da modernidade -ou discriminadas, como é o caso do Grafite.

Ocorre que muitos confundem as tintas que retocam as obras de grafite em painéis urbanos com os sprays fugitivos da Lei com que se desenham, em arabescos indecifráveis, diversas insígnias e pendões pelos muros, prédios e cantos obscuros da cidade, marcando território de vândalos, delinquentes, criminosos, traficantes, em suma, todo tipo de povos bárbaros que, bem como na Idade Média, assombram o cotidiano da civilidade.

O Grafite - bem como as artes contemporâneas - não possuem limites e características bem definidas devido à fluidez que a Modernidade, aos padrões de Baumann, impôs ao sujeito e ao artista modernos, porém, tal arte é a legitimação última de todo um estrato social cuja característica máxima é a agressividade, legado final da marginalidade a que foram, ao longo da História, submetidos e, por ela, subjulgados, tão presente também em músicas de RAP e nas estatísticas do IBGE. O Grafite é arte pois representa aspectos com que um grupo social representativo se identifica e, por ele, interage com os outros grupos.

A Pichação, contudo, não é a representação de certos valores sociais de um grupo: remontam, antes, à animalidade, à possessão primitiva de humanos bestiais sedentos por marcar seu território de maneira condenável, notadamente prejudicial às outras individualidades e, portanto, crime. Seus discípulos aspiram à arte do Grafite quando picham, no entanto, esse processo é estéril, pois a Pichação é incapaz de produzir voz social para reinvindicar a habitação, a saúde e a educação públicas de qualidade que lhes foram historicamente negadas.

A Pichação leva, por fim, à permanência da violência, da rivalidade entre gangues e entre estratos sócio-econômicos diferentes e à implosão da vida harmônica em guetos e outros ambientes por onde a pichação espreita.

Arte e violência, em ambientes e grupos economicamente menos favorecidos, são, portanto, companheiras íntimas: a maior violência, contudo, não é a Pichação - atente-se, efeito colateral do Grafite e da Arte - mas o ambiente imundo, a saúde negligenciada, a frustrada educação, todas responsabilidades constitucionais de um governo omisso e não a sua representação por legítimos artistas do Grafite.