terça-feira, 2 de setembro de 2008

Os nomes de Rosa

Guimarães Rosa demonstra uma preocupação muito grande quanto a seus personagens. Percebe-se claramente tal cuidado ao observarmos o empenho com que o autor escolhe os nomes e os trabalha ao longo de sua obra.

Esse jogo com os nomes tem, até certo momento, um caráter lúdico como ocorre com os personagens traidores em “O recado do morro” em que Guimarães Rosa utiliza dos 7 dias da semana (e sete deuses mitológicos) para construir aspectos importantes da narrativa como o espaço onde os traidores descansam, o que tal espaço produz (já que são fazendas), quem é o proprietário das terras e em que dia descansam.

Entretanto, esse jogo torna-se sério quando o nome da personagem é construído para refletir sua personalidade embora ao contrário do que se pode pensar, isso não tipifica suas personagens uma vez que cada uma possui um valor dentro da obra único e ainda é passível de diversos significados como ocorre com a protagonista de ‘O recado do morro’.

Pedro Orósio é uma personagem que seria traída e morta se o recado na chegasse a ele musicado por Laudelim. Seu nome é significativo e polissêmico.. Observe que Pedro descende de pedra, rocha e, curiosamente, é esta sua função na narrativa: ser o alicerce do Bem. Ainda se tem Orós dentro de seu sobre nome Orósio que significa montanha e que demonstra alguma ligação transreal como o monte emissor do recado, dando indícios importantes da personalidade de Pedro, mas nunca limitando sua personalidade.

Quando se aplica esses conceitos no conto “Hora e a vez de Augusto Matraga” percebe-se que a ligação é ainda mais intrínseca e complicada do que aparenta.

Ocorre que, ao longo da narrativa, o protagonista muda de espaço e de estados de espírito e seu nome percorre também estas mudanças.

Curioso reparar que são três nomes que abarcam três condições espirituais e que dá certa religiosidade à obra, assemelhando-se aos padrões de conversão de persnoagens bíblicos.

Quando “Hora e Vez de Augusto Matraga” se inicia, a personalidade da protagonista é violenta; vivia à volta com prostitutas, jogos, adultério e nesta condição, que Ferri chama de infernal, ele é conhecido como Augusto Esteves. Coronel Augusto Esteves.

Nesta fase, ele é temido por seu temperamento agressivo, entretanto, Augusto não percebe que não é mais tão onipotente uma vez que suas posses minguaram e deveria ter mais cuidado já que tem muitos inimigos.

Segundo o enredo da obra, Augusto fica sabendo que sua esposa Dinorá fugiu com Ovídio e, antes de ir atrás dela, pretende acerta suas diferenças como o major Consilva; entretanto, Augusto não tem mais capangas e acaba por apanhar dos serviçais do major, é marcado a ferro e pula do precipício que havia por perto. É tido por morto.

Entretanto, Augusto se aproxima de sua fase de purgatório. Ele ainda vive, Esta debilitado, é verdade, mas é acolhido por um casal de negros que tratam das crises de alucinação (estas simbolizam a briga com a própria morte no inferno).

Augusto então se recupera e então na obra seu nome muda para Nhô Augusto, iniciando sua fase de purgação. Esta fase está ligada a um outro espaço diferente do primeiro.

O primeiro espaço (o de Augusto Esteves) é o município do Murici.

O segundo (o de Nhô Augusto) é o vale do Tombador em que se ocupa dos afazeres da penitência da carne, segundo os padrões cristãos católicos. Esse espaço é uma configuração do seu estado de espírito. “é um lugarejo afastado,” como diz Ferri, “propício à reflexão”.

Nesta fase/lugar, Nhô Augusto é tentado a voltar à sua antiga vida com a presença de Joazinho Bem-Bem. Sua vida, entretanto, permanece no caminho do Bem e do Próximo. Note que Joazinho Bem-Bem é um cangaceiro e portanto mau, mas seu nome não evidencia isso, aliás, muito pelo contrário, o nome significa exatamente o oposto do que a personagem é.

Quando esta fase acaba, Nhô Augusto abandona o Tombador ao se sentir lavado pela chuva (os marcos naturais são muito freqüentes para se marcar transição de períodos em toda a obra rosiana) e ao ver um bando de maritacas migrando.

Ele vai para uma região chamada Rala-coco em que tentando proteger uma família, envolve-se em peleja com Joazinho Bem-Bem e acaba por matarem um ao outro.

Quando Nhô Augusto morre, ele atinge a sua redenção abandonando seu corpo porque, estando pronto e no caminho do Bem, pôde partir. Nhô Augusto cede espaço para Matraga e então ele sobe aos Céus.

A temática religiosa é também de grande importância. Esta saga, contada de forma linear, reproduz as principais características das personagens bíblicas como a estigmatização de um mártir (Augusto é marcado com ferro antes de pula ao precipício) e sofre sucessivas tentações (como Cristo também sofre).

Como se pode perceber, o valor dos nomes em “Hora e Vez de Augusto Matraga” é de grande valia. Galvão atenta para a significação do nome e percebe-se a veracidade de sua afirmação já que Nhô Augusto é, de fato, seu nome como indivíduo civil; Augusto Esteves é seu nome na antiga cidade em que vivia e Matraga é seu nome mítico – de santo – já que é a própria concretização de sua redenção.

2 comentários:

Vinícius Rennó disse...

Gostei do teu texto. Estarias interessado em co-laborar no Devorador de Livros? Em caso positivo, conversemos por email:

vinicius.renno@gmail.com

Danilo Poso Volet disse...

o texto ficou muito bom, num é a toa que o Guimarães Rosa ta academia brasileira. Outro dia tava lendo um livro de correspondências dele com um cara da alemanha.

e ai, vamos atualizar??