quinta-feira, 24 de junho de 2010

Amor de mae



Quem assiste ao filme "Coraline" de Tim Burton impressiona-se pelas altas doses de violência dissimulada - tão característico do diretor americano - aliado a temas de difícil tratamento com as pequenas crianças: o amor materno expresso em excesso de zelos.

Notadamente, criar um filho e oneroso bem como requer credito inavaliável de tempo somente justificável somente pelo amor de mãe. Será?

Poucas vezes, vi uma autêntica cena de amor materno, legitima e despretensiosa. Pais têm filhos com a mesma intenção com que têm casas grandes e espaçosas ou carros esportes: mostrar aos amigos e compará-los.

Não comparam somente os filhos com os dos colegas através da escolha das profissões que seus pequeruchos tomam, com as notas que tiram, com a personalidade comunicativa que têm: o amor materno é mais cruel que isso.

Mães vangloriam-se por oferecer o que há de mais caro no mercado (substituindo o amor?), repleto de marcas e logotipos, de preferência, mundialmente famosos (desde o nome do colégio até a marca das roupas de baixo dos pequenos) como se, de alguma maneira, a cifra final da compra mensurasse o afeto e carinho que sentem. Besteira.

Pais são fracos ao ponto de gastar uma infinidade somente para estabelecerem uma imagem social de pais zelosos. E nada mais simples para ter uma imagem do que comprá-la. E se depender do mercado, à vista.

E, assim, pais-clientes podem adquirir produtos para seus filhos, tornando-os objetos (tão compráveis quanto expiráveis), mais ou menos como funciona quando garotas compram bonecas na infância...

Adolescentes compram, com o dinheiro e a conveniência de seus pais, a Barbie (ou qualquer outro brinquedo), depois o celular da Barbie, depois a roupa de festa da Barbie, depois o Ken da Barbie (sim, leitor, namorados e “amor fiel” também se compra. Apedreje-me se tiver plena convicção – e argumentos, é claro – de que estou errado) da mesma maneira com que compram o celular da moda , o sapato da moda, a calça da moda com o dinheiro e a convênciencia de seus pais...tudo porque, um filho, sem os devidos acessórios, não é comparável ao do vizinho.

Pais e filhos, por fim, são relações conturbadas...não existe amor legítimo: é requerido de mães carinho, atenção e dedicação de maneira exaustiva e quase imperativa, principalmente quando todo esse zelo tende a se converter, principalmente, em dinheiro. Negá-lo seria a maior evidência da “falta” de amor que poderia haver.

Quanto aos filhos...são evidentemente fracos e corruptíveis como seus pais: fingem confundir o dinheiro com amor e acomodam-se a isso, porque, no fundo, querem ter o celular (tanto o da Barbie quanto o da moda), o carro (mais o da moda que o da Barbie) ou qualquer outro bem material que, com uma boa chantagem, valha o amor da mãe.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Up - altos abortos


Subestimei a Disney. Talvez seja porque estou acostumado a condená-la pelo esvaziamento dos contos de fadas que promovera outrora e que os cristalizou de tal forma que não sao mais nem contos nem de fadas: são produtos, consumíveis e expiráveis, como salientou a escola alemã.

Subestimei, sim. Desde que abandonou os contos populares e inovou com estórias baseadas nas relações sociais intrínsecas aos homens desde a infância até sua inexorável senilidade - e em parceria com a infalível Pixar - os filmes infantis ganharam tratamento nem tão infantil assim.

"Up - altas aventuras" é um desses casos. Subestimei-o. Assumo. Em diversos momentos do filme, peguei-me a refletir sobre os tais valores que todos dizem que mudaram em relação à geração passada, mas que, tranquilamente, condeno. Não mudamos tanto assim. Pra ser bem sincero, não mudamos nada.

Logo ao começo do filme, um flash-back remonta, em sintéticos 5 minutos, toda a fictícia vida romântica de Carl, um idoso decadente e rabugento. Nesse flash-back, o senhor e sua esposa Ellie observam nuvens e "coincidentemente" planejam um filho: visualizam nos estratos celestes sua mais humana cobiça. Porém, ela é estéril. Desnecessário dizer que perdem a criança.

Crianças que - como os tais valores dizem - são dádivas divinas. Para quem acredita em divindades, é claro. Não eu. Stephen Hawkins acredita que a ciência vencerá Deus. Prefiro dizer que ambos perderam, porque, no fundo, não há o que ganhar: a ciência ganhará a vida eterna? A religião ganhará? Pelo amor de deus, a vida na terra nada tem por objetivo e acreditar que algo possa ser alcançado é tendencioso e estúpido. Ademais, a ciência se esforçar para atingir a vida eterna é, a bem dizer, o ápice da contradição: o desejo pela vida eterna não é o objetivo de criarmos deuses e a religião? Ciência e Religião são somente bobagens diferentes para se chegar ao paraíso. Ainda que ele não exista.

As ciências humanas são inúteis e estéreis como a esposa de Carl. São imprecisas também. As exatas, ilusórias, porque almejam o inútil e impreciso humano, de forma a perseguir e criar o humano perfeito, o super-homem de que Nietsche tanto falou, para uma sociedade digitalmente perfeita, para relações harmoniosas e perfeitas.

Acredito que as ciências se perderam porque tornaram o imperfeito homem alheio a si mesmo em face da perfeição que pode vir a ser. E a ciência apoia veemente.

A eugenia é evidência inegável disso. Mulheres estéreis não poderiam ter filhos. Hoje, podem. Homens não poderiam ser mulheres. Hoje, podem. Hoje, não é possível manipular plenamente a genética. Mas, e daí? Em breve será possível.

E aí, estaremos relegados a viver com crianças perfeitas, todas heteros, todas loiras, todas de olhos azuis (duvido que alguém selecionará uma mistura de Lady Gaga com o corcunda de Notre-dame quanto será possível miscigenar Jonnhy Depp e Scarlet Johanson), todas belas, todas saudáveis, todas talentosas, todas sobre-humanas e, por fim, todas férteis para perpetuar a nova espécie perfeita.

Subestimei a Disney. O filme, de fato, era inocente. Mas, em minha cabeça, não o foi. Sob a máscara da infantildiade e dos valores para as altas alventuras, "Up"é um filme que muito tem de atual: abandonam ao passado os problemas do passado, levemente impregnados de superficialismo saudosista. Mas pouca inocência. A inocência está mais na criança que na especulação de seu futuro.