quarta-feira, 16 de junho de 2010

Up - altos abortos


Subestimei a Disney. Talvez seja porque estou acostumado a condená-la pelo esvaziamento dos contos de fadas que promovera outrora e que os cristalizou de tal forma que não sao mais nem contos nem de fadas: são produtos, consumíveis e expiráveis, como salientou a escola alemã.

Subestimei, sim. Desde que abandonou os contos populares e inovou com estórias baseadas nas relações sociais intrínsecas aos homens desde a infância até sua inexorável senilidade - e em parceria com a infalível Pixar - os filmes infantis ganharam tratamento nem tão infantil assim.

"Up - altas aventuras" é um desses casos. Subestimei-o. Assumo. Em diversos momentos do filme, peguei-me a refletir sobre os tais valores que todos dizem que mudaram em relação à geração passada, mas que, tranquilamente, condeno. Não mudamos tanto assim. Pra ser bem sincero, não mudamos nada.

Logo ao começo do filme, um flash-back remonta, em sintéticos 5 minutos, toda a fictícia vida romântica de Carl, um idoso decadente e rabugento. Nesse flash-back, o senhor e sua esposa Ellie observam nuvens e "coincidentemente" planejam um filho: visualizam nos estratos celestes sua mais humana cobiça. Porém, ela é estéril. Desnecessário dizer que perdem a criança.

Crianças que - como os tais valores dizem - são dádivas divinas. Para quem acredita em divindades, é claro. Não eu. Stephen Hawkins acredita que a ciência vencerá Deus. Prefiro dizer que ambos perderam, porque, no fundo, não há o que ganhar: a ciência ganhará a vida eterna? A religião ganhará? Pelo amor de deus, a vida na terra nada tem por objetivo e acreditar que algo possa ser alcançado é tendencioso e estúpido. Ademais, a ciência se esforçar para atingir a vida eterna é, a bem dizer, o ápice da contradição: o desejo pela vida eterna não é o objetivo de criarmos deuses e a religião? Ciência e Religião são somente bobagens diferentes para se chegar ao paraíso. Ainda que ele não exista.

As ciências humanas são inúteis e estéreis como a esposa de Carl. São imprecisas também. As exatas, ilusórias, porque almejam o inútil e impreciso humano, de forma a perseguir e criar o humano perfeito, o super-homem de que Nietsche tanto falou, para uma sociedade digitalmente perfeita, para relações harmoniosas e perfeitas.

Acredito que as ciências se perderam porque tornaram o imperfeito homem alheio a si mesmo em face da perfeição que pode vir a ser. E a ciência apoia veemente.

A eugenia é evidência inegável disso. Mulheres estéreis não poderiam ter filhos. Hoje, podem. Homens não poderiam ser mulheres. Hoje, podem. Hoje, não é possível manipular plenamente a genética. Mas, e daí? Em breve será possível.

E aí, estaremos relegados a viver com crianças perfeitas, todas heteros, todas loiras, todas de olhos azuis (duvido que alguém selecionará uma mistura de Lady Gaga com o corcunda de Notre-dame quanto será possível miscigenar Jonnhy Depp e Scarlet Johanson), todas belas, todas saudáveis, todas talentosas, todas sobre-humanas e, por fim, todas férteis para perpetuar a nova espécie perfeita.

Subestimei a Disney. O filme, de fato, era inocente. Mas, em minha cabeça, não o foi. Sob a máscara da infantildiade e dos valores para as altas alventuras, "Up"é um filme que muito tem de atual: abandonam ao passado os problemas do passado, levemente impregnados de superficialismo saudosista. Mas pouca inocência. A inocência está mais na criança que na especulação de seu futuro.

2 comentários:

Marina Silva e Siqueira disse...

Concordo com sua opinião sobre a ciencia hipócrita e sobre os desejos tendencionistas vazios por parte da religião e da sociedade. Mas discordo no que tange as ciências humanas; não as acho inúteis e estéreis. Mesmo porque ter conciência do mundo como um todo(passado, presente, prática, teoria e ideal) é a única forma de realmente sabê-lo, e só assim, poder mudá-lo; logo, é algo útil. Sem dizer que conhecer os segredos do planeta é algo incrivelmente fértil, já que é uma bela base para qualquer ato que se queira primordiar. E sobre a Disney, eu acho que uma produtora bilionária não pode ser subestimada sob hipótese alguma, pois independente do lixo que esta venda, entenda, ela vende. Muito interessante poder conhecer um professor como pessoa, eu nunca tinha cogitado que vocês também pensam.. Sei que não vale muito vindo de uma criança ignorante em muitas areas mas... Parabéns pelas opiniões e pela linha de raciocínio. :)

Marina Silva e Siqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.